quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Luuanda, de José Luandino Vieira






José Luandino Vieira é pseudônimo de José Vieira Mateus da Graça, nascido em Portugal, criado em Angola. Este Luuanda foi lançado no Brasil em 2006, e só estou lendo agora, guardado que foi para eu ler depois da aposentadoria... Pois chegou seu dia, que foi para mim um grande dia!


Os colegas luso-africanos estão fazendo belo trabalho com a linguagem: Mia Couto, o moçambicano, a recria; José Luandino a registra, a linguagem dos musseques onde habita a pobreza em Luanda, capital de Angola. E com isso, ao passá-la para a modalidade escrita, também a recria e lhe empresta grandeza. É o tipo de trabalho que admiro, como o que Tito Carvalho fez em Bulha d'arroio, ou João Antõnio em seus contos, este de fazer literatura de muito boa qualidade com o registro popular de fala.

Muitos dos termos encontrados no livro vieram para o Brasil, assumindo forma diferenciada, por se adaptarem a outro tipo de substrato linguístico. "N'ga", por exemplo, que ali é forma de tratamento, virou pra nós "nêga" - por isso se justifica a Nega Tide, por exemplo, como se usava na Ilha de Santa Catarina. "Vavó" e "Vavô" são nossos vovó e vovó. Moringa eles dizem "moiringue". E há termos, expressões, frases, que são puro dialeto africano, e desconhecemos completamente, mas para eles há um glossário, ao final. E as regências e algumas estruturas frasais são meio esquisitas pra nós, mas nem por isso menos bonitas. Me encanto: olhem só como os danadinhos dizem...


Junto com esse registro da linguagem, apreendemos a vida cotidiana, os hábitos, a filosofia de um povo pobre demais, e que se libertou do jugo lusitano muito depois de nós, em país não tão cheio de possibilidades como o nosso. São três contos, um trágico, outro muito divertido, o terceiro um tanto cruel. E todos muito bons.

E na página 58 encontro esta maravilha:

" Dizia Xico Futa:
Pode mesmo a gente saber, com a certeza, como é um caso começou, aonde começou, pra quê, quem? Saber mesmo o que estava se passar no coração da pessoa que faz, que procura, desfaz ou estraga as conversas, as macas?(1) Ou tudo que passa na vida não pode-se-lhe agarrar no princípio, quando chega nesse princípio vê afinal esse mesmo princípio era também o fim doutro princípio e então, se a gente segue assim, para trás ou para a frente, vê que não pode se partir o fio da vida, mesmo que está podre no outro lado, ele sempre se emenda noutro sítio, cresce, desvia, foge, avança, curva, pára, esconde, aparece... E digo isto, tenho minha razão. As pessoas falam, as gentes que estão nas conversas, que sofrem os casos e as macas (2) contam, e logo ali, ali mesmo, nessa hora em que passa qualquer confusão, cada qual fala a sua verdade e se continuam falar e discutir, a verdade começa a dar fruta, no fim é mesmo uma quinda (3) de verdades e uma quinda de mentiras, que a mentira é já uma hora da verdade ou o contrário mesmo."

(1) Aqui a palavra significa "assunto".
(2) Aqui, vai significar "conversas".
(3) Cesto.

VIEIRA, José Luandino. Luuanda. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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