sábado, 29 de agosto de 2009

Essas fases da gente...



Me lembro de quando a Jeanne Calligari fazia seu Trabalho de Conclusão de Curso, sob minha orientação. Ela trabalhava no primeiro esboço daquilo que veio a ser seu livro sobre Caio Fernando Abreu. E Jeanne, que antes tinha um papo dos mais diversificados, cobrindo o amplo espectro da área de cultura, começou a só falar nisso. E me dizia, nós ali no bar do Pida, eu com uma cerveja, ela com um daqueles horrendos refrigerantes que tanto apreciava e uma bela travessa de papas fritas: Eu ando demais de monotemática! E ria...

Agora a monotemática sou eu... Até que nem tanto com os amigos mais próximos - a quem, aliás, pouco tenho visto. Continuo lendo jornais, vendo filmes e séries policiais, lendo crônicas e poemas, observando as pessoas e a vida alrededor, como sempre... Mas a minha cabeça está sempre ali, no tema único: o livro de João Bosco.

Há uns momentos de crise. Fico indecisa sobre o que fazer a seguir, e me angustio. Mas não muito: nas crises se constroem caminhos, estudam-se alternativas, fazem-se balanços. Acha-se saída; afinal, crises podem ser produtivas, basta querer. Foi pior quando os dois aparelhos de som pararam de ler CDs, e o computador também. É ainda saldo da enchente do ano passado, eu curtindo o sol da Paraíba e o apê aqui fechado, com eventuais visitas da Dorli e da Adri. Foi oxidando tudo, um belo estrago! Levei dois dias pra lembrar que dá pra ouvir som no DVD, daí tou feliz traveis - e gostando mais disso do que do que tinha antes...

O problema maior é que vou me isolando, não quero ver ninguém, nem conversar com ninguém, nem mesmo com o Alberto, outro que conhece bem as canções "bosqueanas" - contagiei-o com isso, pobre criatura! Converso com o blog, este blog quase-secreto, divulgado pra poucas pessoas, e fora dos mecanismos de busca.

Oh, eu saio um pouco: faço as voltas, vou caminhar, passo no café, converso as abobrinhas habituais pelaí. Mas louca pra voltar pra casa, e tocar ficha no que estava fazendo antes. AFE! Tomara passe logo, e eu acabe o livro, depois de dar pulinho ao Rio, quando conseguir compatibilizar agenda com João, que quer falar do CD novo comigo, e, se possível, entrevistar Aldir Blanc.

Mas hoje é sábado, e sem lances de Vinicius. Reviso dissertação de mestrando da Universidade do Contestado, e ouço João, é claro: tanta dor/ é que o amor muitas vezes não chega a seu fim/ mas é preciso acabar mesmo assim... Em seu "Tanto faz", parceria com Chico Bosco. E é tal e qual meu livrinho: não chega(ria) nunca ao fim, mas preciso acabar mesmo assim!

E chega de papo, vamos ao trabalho!

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

The long way home



O BLOCO JOÃO & ALDIR

Com o lançamento do CD Não vou pro céu mas já não vivo no chão,em 2009, foram exatas 98 parcerias com Aldir Blanc (algumas com mais um parceiro) gravadas por João Bosco. Como seria inviável analisar todas, optei por fazer uma espécie de amostragem, por razões abaixo especificadas.

1.”Tiro de misericórdia”: por uma série de razões, inclusive o forte teor social, razões essas explicadas na análise, é minha favorita.

2. “Coisa feita”: a única da dupla a apresentar eu-feminino.

3. “Bandalhismo”: sua letra é uma paródia do soneto “Vandalismo”, de Augusto dos Anjos, o que indicaria composição inversa, João tendo musicado a letra.

4. “Profissionalismo é isso aí”: forte teor político, que se mantém até hoje. Por esta mesma razão foi regravada recentemente pelo filho de Elis, Pedro Mariano,em seu CD Voz no ouvido.

5. “Siri recheado e o cacete”: uma crônica suburbana.

6. As canções com o tema do casamento: Incompatibilidade de gênios, Feminismo no Estácio, Siameses, A nível de..., Tal mãe tal filha, Bodas de Prata, Boca de sapo.

7. A emblemática: “O bêbado e a equilibrista” – hino da anistia.

8. “O mestre-sala dos mares”: o teor histórico.

9. “Viena fica na 28 de setembro”: a história da MPB.

10. As letras especiais, por especificidades que apresentam: “As escadas da Penha”, “Prêt-à-porter de tafetá”,Títulos de nobreza (Ademilde no choro).

Haverá, porém, uma faixa-bônus: tentarei observar, nas quatro canções que fizeram em parceria para o novo CD, as alterações sofridas por ambos. São elas: “Navalha”, “Mentiras de verdade”, “Plural singular” e “Sonho de caramujo”.

E já posso tirar meu bote do atracadouro, e ir em frente!

Uma conversa engraçada

Parei na banca:
- Bom dia, Afonso! Passei aqui só pra te dizer oi!

E ele, queixoso:
- Não aparece mais porque anda comprando na concorrência...

Eu:
- Que nada, guri! Não tou com tempo de ler nada.

Mas ele não se convence:
- A senhora anda comprando é lá no shopping, com aquele ar condicionado gostoso...

Tem que rir, né?
- Ora, eu detesto shopping, por mim botava fogo em tudo!

Daí ia entrando outro freguês, e pega carona na conversa:
- Deviam botar fogo é no Congresso, acabar com toda aquela imoralidade...

Contei então da conversa com o Sérgio da Costa Ramos, outro dia, em que ele nos leu crônica de Machado de Assis criticando o Senado da época do Império. E acrescentei que poderia ir ler sobre o Senado Romano, la même chose, talvez convenha se pensar em outra forma de administrar o país...

E o outro freguês, inabalável:
- Que nada! Tem é que acabar com toda essa imoralidade!

Sabem quem era? O bicheiro do pedaço... Tem que rir!

Coisas do Júnior


( e esta barriguinha de cerveja...)

O Júnior e o Juan abriram abriram uma choperia da Eisenbahn bem aqui na frente. Chama-se Academia da Cerveja. Ficou muito bonitinho aquele espaço ali, depois da reforma.

Júnior, que é mané do Estreito, é criatura expansiva e afetuosa. Vai convidando os muitos amigos, e há bastante movimento na choperia - sem contar a qualidade dos chopes da Eisenbahn, chamariz dos bons, ainda tem a presença dele. Juan é um amor, mas é bem mais quieto.

Mas a presença do Júnior não é pra mim, parece. A primeira vez, fui numa sexta, com Tadeu. Perguntei por ele, e descobri que às sextas ele fica de plantão na padaria. Reclamei pra ele, no dia seguinte, e ele me mandou reclamar com a Gil: foi ela quem fez a escala! Não reclamei, é claro: Gil deve ter tido suas razões, ora se não.(Sei bem que este patrão dela não é fácil!)

Voltei duas semanas depois, numa quinta, depois da palestra que dei na ACL, com Ben-Hur e Alberto. E nem mesmo na quinta o Júnior tava lá. Assim não é possível!

Na manhã seguinte encontrei-o ali na frente: poxa, cara, 50% das minhas razões pra vir aqui são o chope, mas 50% é tua presença. Fiquei 100% no chope, e ainda bem que é muito bom! Mas desapontada!

Ele diz que tem uma ótima pra me contar. Estava no caixa da padaria, e um freguês veio pagar. "Dá 3,10, mas pra ti só 3,00..." O rapaz se pôr a rir: eu estava lendo aquele texto da parede ( a crônica que fiz sobre ele pro AN) e ali diz que nunca dás desconto! "Ora, não vai atrás, não, aquela mulher é muito mentirosa!"

Pode?! Se o rapaz fosse mais atilado saberia que foi desconto oportunista: melhor deixar passar 0,10 centavos, que ter que devolver 0,90, nesta época de escassez de moedas... Júnior não me engana,hehehe...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

À beira da perfeição



(publicado no blog do Ideias. AN, 29/7/2009)



Há cerca de dois anos, João Bosco fez um show beneficente em Itajaí, e fui assistir. Após o show, simplesmente maravilhoso, com um público muito grande, participante e entusiasmado, fomos ao camarim cumprimentá-lo. Ao me ver, ele que me conhece desde a época da dissertação de mestrado, e sabe do trabalho que faço a respeito de sua obra, franze o cenho - faz isso sempre que me vê - perguntando: "E daí?" Quer obviamente saber o que achei da apresentação. Abracei-o: "Ora, cara, não sei como falar da perfeição".

Ele riu, mas meio constrangido: "Não estava perfeito!" E foi minha vez de rir: "Deu problema de som, mais de uma vez, mas assim mesmo foi uma beleza. E encerrar com 'Linha de Passe' foi o lance de maior exibicionismo que já vi". Ele estava gripado, mas sustentou um show de mais de duas horas, ele e violão, sem nenhum deslize. Não só o repertório era dos melhores, como estava encadeado da forma mais adequada, uma canção ligada à seguinte ou por ritmo, ou por tema, ou por algum daqueles links vocais que ele gosta tanto de fazer, suas "sonoridades". E essa mesma preocupação com a montagem de um produto final bem amarrado, bem encadeado, com uma linha que chamo de "semântico-musical" e que aparece em todos os CDs dele. Assim, só se pode lamentar quem baixa aleatoriamente canções da internet, e perde essa rica significância que se estende além de uma simples e única canção, ouvida fora do contexto geral.

"O nome do cantor e compositor brasileiro João Bosco tem estado ligado aos nomes de seus letristas por 30 anos. E as letras das canções dele - especialmente as escritas por Aldir Blanc - estão, de fato, entre a melhor poesia literária escrita para música popular. (Uma porção dos melhores exemplos vindos do Brasil, também). Mas o senhor Bosco não deixa as letras fazerem todo o trabalho. A despeito do notável jogo de palavras e da festa de imagens expressa nas canções, ele é um performer feroz (...) Como músico ele é completo em si mesmo, o tipo de instrumentista para quem uma banda é quase uma extravagância". São palavras do crítico Ben Ratliff, do New York Times, em 2003, quando de uma temporada de João Bosco em Nova York. Ratcliff vê no compositor brasileiro exatamente as mesmas qualidades que me fazem admirá-lo.

Dois mil e três foi, coincidentemente, o ano em que saiu o último disco de novas músicas de João, em parceria com o filho Francisco, que adotou o Bosco também como sobrenome.

Doutor em teoria literária pela UFRJ, ensaísta das revistas "Cult" e "Bravo", Francisco tem livros de poemas publicados, e foi parceiro de seu pai em três CDs: "As Mil e uma Aldeias", de 1997; "Na Esquina", de 2000; e "Malabaristas do Sinal Vermelho"; o melhor dos três, de 2003. Ouvindo-os em sequência, tem-se uma noção bem clara do aperfeiçoamento de Francisco como letrista, de uma certa "literatice" do primeiro à compatibilidade muito bem entrosada de "Malabaristas", de forma especial na canção-título, lindíssima. Houve alguns discos depois, todos releituras de sucessos anteriores, por ele mesmo ou por outros, inclusive a excelência de "Obrigado Gente", também em DVD, na comemoração dos 30 anos de carreira.

Perfeccionista, João Bosco não admite trazer a público nada que não tenha sido bem pensado, trabalhado, aperfeiçoado em cada detalhe. Declarou-nos ter recebido proposta da MTV para lançar seu show no Acústico - MTV como DVD, e sequer perdeu muito tempo para decidir: não foi pensado para DVD... E assistir ao DVD de "Obrigado Gente" mostra com meridiana clareza o que ele entende como algo lançado para ser DVD: um show que documente para o público a sua imensa capacidade performática, seu pique, seu carisma, ao lado da perfeição do cantor, do instrumentista, dos músicos convidados, da banda que normalmente o acompanha, sem falar da qualidade de suas composições.

Agora, em 2009, seis anos depois do "Malabaristas do Sinal Vermelho", sai mais um CD de inéditas: "Não Vou pro Céu mas já não Vivo no Chão", título tirado de canção em parceria com - pasmem! - Aldir Blanc, chamada "Sonho de Caramujo". Retomaram a rompida amizade, por obra e graça do Francisco, e se declaram este afeto em mais de uma das músicas ("Você É e Sempre Foi"/Meu Par").

Para os saudosistas que lamentam o rompimento que houve entre ambos, dizendo que aquelas eram composições maravilhosas, respondo sempre que, se tivessem continuado compondo juntos, teriam feito coisas muito diferentes, porque as pessoas mudam, notadamente os artistas de qualidade, seres inquietos por excelência. Mas a vida é o que ela é, não o que queríamos que fosse, e esse se refazer, se retomar, se aperfeiçoar, até mesmo mudar totalmente de rumo é que torna interessante e dá valor a qualquer obra.

Com Aldir, aparecem aqui quatro parcerias: "Navalha" (Teu sorriso é uma navalha/que abre meu coração...), "Mentiras de Verdade", "Plural Singular" e a já citada "Sonho de Caramujo" (Não vou pro céu, mas já não vivo no chão/eu moro dentro da casca do meu violão), e nela Aldir brinca com a infinita capacidade de ficar gripado que João possui: hoje eu gripo ou canto. Acredito que os saudosistas vão ficar desapontados: é outra fase de suas vidas, e uma produção bastante diferente daquela que se acreditou ser uma das mais perfeitas parcerias da MPB.

A canção que abre o CD, chama-se, para meu divertimento, "Perfeição", parceria com o filho Francisco. E é mesmo uma graça! E com Francisco há mais: "Tanto Faz", "Desnortes", "Tanajura" e "Alma Barroca". Com o crítico, tradutor e letrista Carlos Rennó, "Pronto pra Próxima" e "Pintura", e Nei Lopes, sambista carioca, comparece com "Jimbo no Jazz". E fiquei encantada ao encontrar canção de Serafim Adriano, compositor da Mocidade Independente de Padre Miguel falecido em 2003: "Ingenuidade".

E a perfeição existe, sim, num disco doce, de extrema musicalidade, costuradinho, lindo, lindo, lindo!

De volta aos braços de João


(com Hamilton de Holanda, no DVD Obrigado, gente!)

Comecei com uma impropriedade: não estou de volta aos braços de João, e sim a seus sons e sua música. Mas tudo isso me envolve de uma tal maneira que não é impropriedade, não - tá bem adequada a expressão. E se Sylvio Back está correto ao afirmar que as mulheres gozam pelo ouvido, pode haver gozo maior que ouvir João?

Depois de alguns dias fechando a coletânea com 31 cronistas catarinenses, já nas mãos do editor, canso de descansar e volto à labuta anterior. E preciso entrar no clima traveis. Assim, ponho o DVD a rodar, e deixo que me invada. Como tenho as tarefas domésticas também, um pouco ouço e um pouco sento ali, a contemplar. Se ele apresenta seu número com Hamilton de Holanda, venho correndo pra ver: como resistir? E o afeto transborda pela beleza, pela animação dos dois, e até pela diferença de estatura entre eles: João é de estatura mediana, mas Hamilton é um gigante...

E confesso que ando meio chateada com o ídolo. Já brinquei com ele uma vez, pedindo-lhe que não me desnorteie no meio do caminho. Não me atendeu, é claro!

O CD novo, com várias parcerias, Não vou pro céu mas já não vivo no chão, musicalmente me lembrou muito um anterior, Na onda que balança, o último com grande número de canções-solo. E daí fiquei descontente com o que tinha feito sobre este. E lá fui eu de volta, ouvir tudo de novo. Só matando: a mim e a ele...Talvez reescreva aquela parte, talvez conclua não ser necessário. Ainda não sei. O que sei é que tenho que ter segurança.

O próprio João me ajudou a ser assim: me deu segurança por gostar muito do que faço, e elogiar meu trabalho pros outros (nunca pra mim, o danado!). E me passou sua crença de que as coisas têm seu próprio tempo, deixemos que seja assim. Nele, isso é natural; em mim, com essa ansiedade sempre a mil, teve que ser aprendido. Aprendi: ou estou satisfeita com o que fiz, ou não considero pronto. Sem mais angústias, como deve ser.

"Toca de tatu/ linguiça e paio/ e boi zebu...", lá tão ele e Hamilton traveis, na sua "Linha de Passe"! Deixem-me aproveitar, até dançando junto, ô beleza!