sábado, 19 de setembro de 2009

Mais Chandler



Ganhei este livrinho do Mário Pereira, faz algum tempo. Fiz a bobagem de guardar com os outros pockets, na estante acima da porta. Fui limpar a dita cuja, reencontrei-o, piscando pra mim.

Comentei com a Zeca, e ela disse "muito romântico, mas bonzinho"... Achei engraçado: é que vejo o Marlowe como um grande romântico, apesar da lucidez e das piadas cínicas.

Neste aqui ele casa com a loira rica do romance anterior (O longo adeus), e vai morar em mansão em Poodle Springs, lugar de ricaços - mas se recusa a ser transformado no poodle de estimação da sra. Marlowe...

O casamento vai pro brejo, enquanto ele deslinda - daquele jeito incomparável dele - o mistério dos assassinatos todos que encontra pelo caminho...

Pra ler num dia de chuva como o de ontem,uma beleza,uma delícia!

Crônica do Schroeder

BIG BROTHER JARAGUÁ

Instalaram uma câmera a poucos metros do meu prédio. Dizem que ainda não está funcionando: problemas técnicos. Acho que vou ligar todos os dias para a polícia, para saber a partir de quando estará funcionando. Agora, tenho que ter outra postura. Não posso mais descer às 2 da manhã para levar o lixo usando chinelos de dedo, um moletom puído e aquela camiseta que me acompanha há mais de uma década... Não quero ficar registrado como um farrapo nas câmeras... E também não vou mais colocar as garrafas vazias de vinho na lixeira do prédio (bem próxima da câmera).

– Olha lá, o careca desceu de novo, outra garrafa... Jesssuuuiiissss...

E muito menos deixar os sacos de lixo meio abertos, cheios, com algumas coisas a mostra.

– Olha ali! Até que ele é não é tão gordo, pelo que come...

O mais engraçado disso são as coincidências, vejam só... Há exatos 60 anos, em 1949, o escritor Eric Arthur Blair, sob o pseudônimo de George Orwell, lançou o livro “1984”, que abertamente critica os regimes totalitários (de esquerda e de direita) através de metáforas, pois o “Big Brother” (como se denominava o chefe daquele nação) estava de olho em todos os seus súditos.

Inspirados no livro do Orwell, uma produtora de TV inventou o programa “Big Brother” e o licenciou para o mundo inteiro.

Pois é, o programa “Big Brother” chegou a Jaraguá: são 20 câmeras de monitoramento com uma visão de 360 graus que captam tudo num percurso reto de mais de 1 km.

Em “Vigiar e Punir”, Michel Foucault levanta o tema da “Sociedade Disciplinar”, implantada a partir dos séculos 17 e 18, um sistema de controle social por meio da conjugação de técnicas de classificação, de seleção, de vigilância...

Daqui a pouco, vão inventar lagartixas-robôs, para se infiltrar onde a câmera não chega... Seria o fim da intimidade? Drummond responde:

“Na ambígua intimidade
que nos concedem,
podemos andar nus
diante de seus retratos.
Não reprovam nem sorriem
como se neles a nudez fosse maior.”

Senhoras e senhores, o “Big Brother” Jaraguá começou, escolham bem suas roupas, o penteado (disso eu não entendo) e cuidado, deixem a má educação no trânsito em casa, porque o bicho vai pegar agora!

Como eu gostaria de ter acesso a essas imagens, dar uns “zooms”, pois, como já disse o Caetano, “de perto ninguém é normal”.

(Anexo,AN,19/9/2009)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Adequação





hoje estou

de heroína romântica:

chuva fina

e melancolia.


(gravura de Christian Lanvier)

Lay-out novo



O pessoal anda caprichando nos cuidados com o condomínio. Reformaram os canteiros, pintaram os prédios, e ontem foram postos esta mesinha e este espelho no hall de entrada de todos os prédios.

Fica mais aconchegante...

Crônica do Olsen


CARTA AOS LEITORES DE UM POETA


Para Carlos Damião Werner Martins

Após alguns dias ausente para tratar de assuntos particulares, me vejo logo às voltas com um tiroteio de opiniões contraditórias sobre o céu e a terra e principalmente tudo o que há entre os dois.

Todo indivíduo que se propõe a emitir opinião sobre algo deveria antes se fazer a pergunta: “em que medida o que vou dizer acrescenta algo sobre o que já se conhece sobre o assunto?”. Isso evitaria muito hein-hein-hein paroquial e de baixa extração.

A medida de um texto é dada por tudo o que o autor escreve (vivência, história, talento e estilo) e também pelo que o leitor acrescenta ao que está lendo (vivência, história, sensibilidade e percepção). Há situações em que não vale a pena insistir: com o escritor ou com o leitor. No primeiro caso, é simples, você não gosta, deixa-o de lado; no segundo, cada um deve procurar a obra que tenha a medida que sua própria compreensão possibilita. Pode levar determinado tempo, mas é uma providência honesta e útil.

Quando se escreve, parte-se sempre de uma realidade. Essa realidade pode ser alheia ao leitor. O que possibilita as deduções daí decorrentes. É o leitor exercitando a sua liberdade. Não quer dizer que o que ele deduz represente a verdade, mas é o que a sua experiência permite criar, a “sua verdade”, portanto. Não deve haver imposições, mas constatações. Gostamos de nos identificar com o que lemos. Separamos o que nos diz mais daquilo que nos diz menos. A diferença entre uma e outra empresta a certeza (para o leitor) de que o que decodificou valeu a pena ou não. Se o escritor escreve com liberdade, na escolha dos temas e no tratamento dado a ele, o mesmo ocorre com o leitor, no sentido de fazer a sua escolha e até a rejeitar a obra lida.

O célebre escritor Ernest Hemingway afirmava que “a dignidade do movimento de um iceberg é devida a que só um oitavo dele está acima da superfície da água”. O leitor ideal seria aquele capaz de descobrir essa outra parte, aquela que não está visível. Nesse sentido é que uma obra pode ser enriquecida até revelando possibilidades que o próprio autor desconhecia.

Outro dia, usei uma blague do Paulo Francis para explicar alguns descaminhos que a nossa origem portuguesa possibilitou (desconfiança, burocracia) e já insinuaram que sou preconceituoso... Lembrei do comediante William C. Fields, que disse: “Sou livre de qualquer preconceito. Odeio todo mundo, indistintamente”. Well, a blague é a maneira bem humorada de chamar a atenção sobre um assunto. Cá entre nós, minhas duas avós são descendentes de portugueses, minha mãe também, e daí? Português, italiano, belga, sueco, godo, visigodo, tolteco-maia, tupi-guarani... O importante não é a nacionalidade da qual você deriva ou de onde você se originou, mas o que faz para mudar o lugar onde está até porque ninguém sabe para onde vamos (parodiando o poeta português, Sidônio Muralha – de onde o Antônio Maria copiou a ideia, “... não sei para onde vou, só sei que não vou por aí”) e onde certamente a etnia não terá a menor importância.

Vai levar muito tempo ainda para aprendermos que o futebol é só um esporte, que uma seita é o último refúgio dos sem imaginação, que todo o fanático é um débil mental e, principalmente, que o charme de uma democracia reside em nossa capacidade de aceitar as diferenças, e isso vale para tudo.

A sociedade cresce com suas contradições, mas para isso é preciso respeitar o que é diferente. Aliás, falando nisso, longe de mim ser igual aos meus semelhantes.

Até a próxima, com humor e com afeto!

(Anexo, AN, 18/9/2009)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Pra assustar Cristina

Se Cristina se assusta apenas com as fotos dos prédios, quem dirá nosotros, que passamos por eles todo dia. Crescem rapidinho - esta é a fase mais rápida da construção, mesmo. Os acabamentos, depois, é que demoram.




Este é o do estacionamento do BB, aqui do lado. Por causa dele, não bate mais sol aqui, a partir das 16 horas. O apê fica gelado. Decerto vai ser bom, no verão...





Este aqui fica na descida da loja de carros usados para a avenida Beiramar (ou pro Titri). Ou, pra quem preferir, na mesma rua do Condomínio Europa.

É hoje!



Hoje o céu tá enfarruscado, cerração cobrindo o morro da Cruz. Mas a temperatura está tão agradável,que me animei e fui caminhar antes das sete, bem como gosto.

Quinta-feira é dia de faxina no quarto, é melhor fazer o exercício antes de me enlear toda por aqui... E foi bom. Há um pessoal que vai pro trabalho de bicicleta, tanto homens quanto mulheres, e, gentis, vão cumprimentando: bom dia, senhora! e sorriem. Em compensação, as adolescentes passam pro terminal com aquela cara de náusea que parece um uniforme...




Ontem a Emy, ex-orientanda de TCC, tava me procurando, pra se despedir. Terminou o mestrado em História (é jornalista e historiadora, lembram? E escreve bem pra chuchu, a danadinha!), está voltando pra Xaxim, e pleiteia vaga na Universidade Federal da Fronteira Sul, fundada agora, e que vai funcionar em Chapecó.
Claro que vai conseguir, porque ela é ótima!

No meio das arrumações todas, ainda achou jeito de mandar fazer esta toalha de rosto pra mim, e bem pensada: de sapo não, ela já deve ter. Uma linda borboleta, pro sapo comer...

Pois Emy, minha flor, se algum dos sapinhos se fresquear com tão maravilhosa borboleta, será desterrado pro deserto de Atacama!

Crônica do Maicon Tenfen

Vidro de palmito

Certos rituais são determinantes na vida de um casal. O primeiro olhar, o primeiro beijo, a primeira noite juntos (credo, Maicon, parece que você está escrevendo para a Capricho!), mas nenhum ritual será mais importante e decisivo que o primeiro vidro de palmito.

Primeiro vidro de palmito? Que história é essa, rapaz? Calma, que me explico. Por não possuir data certa para acontecer - pode ser no primeiro, no terceiro ou no vigésimo jantar juntos - é o tipo de situação que costuma nos pegar de surpresa, sem o menor tempo para um preparo psicológico adequado.

Estão os dois à mesa. Dona de requintados dotes culinários, ela sabe de cor o número do disk pizza mais próximo, já recebeu a encomenda e já elogiou a tosquice com que ele dispôs os pratos e os talheres. De repente, ela se lembra do vidro de palmito que está na geladeira. “Você gosta?”, diz sorridente, e saltita para apanhar a iguaria.

Na volta, estende o vidro para ele, mas estende na maior inocência, como se nada fosse nada, como se uma das últimas provas de virilidade da civilização ocidental não estivesse prestes a começar. “Abre pra mim?”, diz ela, e põe as mãos na cintura, esperando o espetáculo.

Epa!, pensa ele, e se a tampa estiver emperrada? Antigamente era mais fácil, o sujeito só precisava derrubar um touro pelos chifres, só precisava pegar um rifle e afugentar os índios. Agora as coisas são instantâneas, diretas. Aspectos futuros do relacionamento serão decididos por uma reles tampa de conservas.

Ele se atraca com a maldita, sem resultado, solta o primeiro gemido, a primeira careta, encena a arquetípica luta do homem contra o objeto, sente os dedos doendo, latejando, mas não desiste, não pode, apenas sugere que aquela porcaria deve estar enferrujada. Ela tenta ajudar, solidária, mas somente com sugestões - use uma toalha, bata na bundinha do vidro -, sabe que não deve interferir, acaba de entender que o destino dos dois está em jogo.

Adeus tranquilidade do jantar. Ou ele desenrosca a tampa, ou não se chama Fulano de Tal. Agacha-se, segura o vidro entre as pernas, morde os dentes, xinga, reza baixinho pela auxílio dos santos, mas não adianta. Então ela faz uma carinha de que está tudo bem - “Hoje eu não tô a fim de palmito mesmo!” -, pega o vidro e, antes de devolvê-lo à geladeira, comete a tolice de tentar abri-lo e... consegue! “Que sorte a minha!”, diz ela, sem jeito. E ele, o que faz? Nada. Só cai na cadeira, derrotado, e resmunga:

“Promete que não conta para ninguém? Isso nunca me aconteceu antes...”

(Variedades,DC,17/9/2009)

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

De volta aos policiais

Na verdade, foram releituras. Tava com saudades deles, fui fazer nova visita.

E como são bons,afe! Cada um de um jeito, um dentro do gênero "noir", em que o investigador se envolve, apanha, algumas vezes sai perdendo, se apaixona pela linda loira má, mas em Marlowe há uma ética muito forte,um grande senso de amizade e de justiça, não há como não se apaixonar por ele. Além disso, uma visão que chamam de cínica sobre a sociedade, o capitalismo e a política, que nada mais é que uma incrível e invejável lucidez...



Eu tinha uns 15 anos quando li este livro pela primeira vez.Havia um exemplar em francês, lá em casa - Le chien jaune - ,também em pocket. (Ah,como era bom o meu francês!)

Mais tarde reli em português, esta é a terceira vez que volto a ele. É classificado como "psicológico", Maigret mergulha na atmosfera, seu método é a ausência de método,um cuidado imenso em ir juntando os fatos sem tirar conclusões apressadas, uma delícia!


O condomínio é um mundo



Bem aí, na frente do salão de festas, um rapaz conversa (alto) ao celular:

- E sabes o que teve a coragem de dizer de mim? Que sou podre... ( e em seguida, uma enfiada de palavrões, que não vou repetir aqui...)

Deve ter sido alguma mulher, sem dúvida. Me pus a rir, e quando ele viu, deu de ombros, aquele dar de ombros meio cúmplice que significa "fazer o quê?"

* * *

A vizinha do B2 vai chegando, sacola com compras, e uma penca de bananas.

Mexo com ela: vai ter bolinho de banana?

E ela:

- Bolinho de chuva, com canela e açúcar...

Fiquei com vontade, fiz alguns pra mim, uma delícia! (mas só com canela, sem açúcar...)

* * *

A vizinha do B3 me para, pra contar do neto, que almoça com ela todo dia:

- Ele é formado em cinema pela UFSC. Perguntou se eu te conhecia - uma senhora baixinha, que anda sempre cantando? O nome dela é Regina, é aposentada do Jornalismo da UFSC...

É, não dá pra disfarçar.

* * *

ADORO infernizar Geraldo, o jardineiro:

- Já viste as cavalinhas no nosso canteiro? Vocês arrancaram todas, mas elas não se conformaram. Estão brotando pra todo lado, no canteiro.

Ele para, olha, se põe a coçar a cabeça: um exército de cavalinhas contra ele...

* * *

O vizinho de cima tem um cachorro cego, que desce os degraus devagarinho, de um em um, quando é levado a passear. Estou voltando da lixeira, fico segurando o portão da garagem. Ele ri:
-Vai demorar!
Demorou, mesmo... Mas chova ou faça sol, ele desce com o animal, naquele passinho dele,degrau por degrau, às vezes esbarrando na parede. Acho admirável!

* * *

Como já contei, o Guilherme Carrión, ex-aluno, mora no apartamento que dá de frente pro meu. Nunca nos vemos... Quando nos encontramos, é pela Lauro Linhares, jamais aqui. Mas ontem nos encontramos na portaria, ele a toda: tou atrasado pro trabalho, Regininha!

Puxa, um dia fui Regininha,hehehe... Acho que já tou me esquecendo disso!

* * *

Sábado à tarde, tinha festa no salão velho, aqui atrás. Ouviam funk a todo volume. Ninguém merece! Peguei meu livro, fui ler no quarto. Ali do lado do terminal, era o hino do Flamengo, também a todo volume: uma vez Flamengo/ sempre Flamengo... Se o estupro é inevitável...Calcei os tênis, fui caminhar!

* * *

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Tempos modernos





és apenas
uma foto
em preto e branco
na lixeira
do computador

e já não dóis

Crônica do Mario Benevides



Mario é carioca radicado na ilha.
Tirei a crônica do seu blog, Diário de um Mario, postada no dia 13/9.
Guaraciaba vem do tupi-guarani, e significa "raio de luz". Acentua-se a ironia!


GUARACIABA, UM ESTADO E SEUS MUNICÍPIOS

Nós não existimos. Se você quiser continuar a nos ler assim mesmo, para nós, os inexistentes, será um prazer. Bem vindo ao Estado de Guaraciaba, cuja capital também se chama Guaraciaba. Alguns dos nossos demais municípios são o Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis. Se você duvida, basta lembrar de uma coisa: nós não existimos.

Morávamos no Rio, chamado de cidade maravilhosa porque, de qualquer lugar, se não for o mar ou a montanha, é o céu que se vê, quase sempre azul e, talvez por isso, o povo de lá é alegre até quando tem motivos para ficar triste. Lá, quando chovia muito, quando nossa casa deslizava morro abaixo, a culpa era nossa. Costumavam dizer que nós não sabíamos o que fazer do lixo e que o espalhávamos por toda parte e, por isso, nossa casa desabava. Se isso era verdade ou não, pouco importa, porque o que a gente diz não tem a menor importância – pois não existimos. Naquele tempo, nós éramos pretos e diziam que ser preto não era bom. Hoje em dia, sabemos de gente que passa por preto ou negro para entrar na faculdade. Como não sabíamos que um dia seríamos valorizados por ser pretos, viramos nordestinos e nos mudamos para São Paulo.

Em São Paulo, cada vez que chovia muito, alagava tudo e nossa casa ficava inundada até o teto e nós aparecíamos na televisão, andando com a água pela cintura, remando um barco improvisado ou chorando pelos cantos. (Nós, os inexistentes, desde quando nosso barraco lá no Rio deslizava morro abaixo, vira e mexe aparecemos na TV.) Começamos a perceber que São Paulo é um município sem limites, que se espalha para todas as direções: para os lados, para cima e também para baixo – quando é para debaixo d’água que São Paulo vai. Todo mundo um dia acaba se mudando para São Paulo porque lá é onde há muitas oportunidades, quando poucas são as que existem em outros lugares - por exemplo na parte do Nordeste onde costuma não chover, mas, quando chove, chove muito. Prova disso é que existe uma música chamada Súplica Cearense, na qual o cantor pede perdão a Deus porque reza errado e de tanto rezar errado para que chovesse, Deus entendeu que era para mandar todas as águas do céu em cima do Ceará. Os autores da música se chamam Gordurinha e Nelinho e não sabemos se eles existem, mas a canção foi gravada pelo Fagner, e o Fagner existe, embora ele também apareça na televisão. Nós éramos retirantes nordestinos sempre crescendo pro lado debaixo da água de São Paulo e por isso resolvemos nos mudar para Florianópolis.

Agora, somos descendentes de italianos, alemães, açorianos, pretos e índios; alguns de nós são chamados de bugres, outros, de manezinhos. Florianópolis é uma gracinha, de tão delicada que é, com suas montanhas, o mar por toda parte, a ponte pênsil e as outras duas de concreto, cheias de automóveis parados em cima delas. A cidade quer atrair turistas, mas não prepara para isso as pessoas que trabalham como garçons, motoristas de táxi, serventes em hotéis e outras atividades; pessoas que, como nós, não existem – portanto, se elas não existem, porque prepará-las? Percebemos também que não só as pontes começaram a ficar cheias de automóveis parados em cima: todas as ruas foram ficando assim, não sem antes os automóveis passarem a toda velocidade e se baterem uns nos outros, principalmente quando chovia e em Florianópolis também chove, parece que é assim por toda parte, e percebemos que em Florianópolis, quando chove muito, é uma mistura de Rio com São Paulo: alaga tudo e algumas casas desabam. Foi quando viramos somente descendentes de alemães e italianos e nos mudamos para a capital do nosso Estado, que, como já dissemos, tem o mesmo nome que ele: Guaraciaba.

Pois na capital Guaraciaba também chove e, por aqui, os ventos às vezes são tão fortes que se chamam tornados. Este último arrancou os telhados das casas dos ricos, arrancou do chão as casas dos pobres e arrancou dos ginásios seus telhados - os quais, por sua vez, arrastados pelo tornado, arrancaram os telhados das outras casas que ainda tinham telhados em cima delas. Aí nos mudamos para dentro de um ônibus, que está e vai continuar parado por algum tempo: ele virou a nossa casa e também a casa de muitas outras pessoas, algumas brancas como agora somos e outras bugres, manezinhas, cariocas, paulistas, nordestinas, pretas, cafuzas, mamelucas, negras, como já fomos antigamente, nós, os inexistentes do Estado e agora da cidade de Guaraciaba, que acabamos de aparecer na TV, deitados em nossos colchões, dentro do ônibus.

Depois, vimos uma porção de acontecimentos no país vizinho, o Brasil: os Jogos Panamericanos, a promessa das Olimpíadas e a Copa do Mundo que vai ter por lá e os governadores e os presidentes e... Foi na TV que também assistimos sobre vários pactos, sendo que alguns os representantes oficiais do vizinho do Estado de Guaraciaba, o Brasil, assinaram: pacto do G20, protocolo de Kyoto, Princípios do Equador, Rodada do Uruguai, Fórum Mundial de Davos, Rodada de Doha, Objetivos do Milênio...

Nós, que aparecemos toda hora na TV porque não existimos; que não somos representantes de povo nenhum, porque somos o próprio povo de Guaraciaba, sua capital e seus municípios, Rio, São Paulo, Florianópolis e outros; que não somos os que se perderam e que aparecem na TV com suas cabeças baixas e as mãos algemadas ou com os olhos vendados ou ainda dentro de um caixão pequenininho; que somos os pretos, os brancos, os cafuzos, os mamelucos, os índios e os loucos; que somos os despreparados e os doutores; nós e nossos diferentes sotaques, vistos na TV quando nossas casas desaparecem, após assistirmos sobre tantos pactos e nós mesmos deitados dentro do ônibus, pensamos o seguinte.

Por que não fazer um pacto de Guaraciaba? Do nosso Estado, o Estado de Guaraciaba, que vai lá no Rio de Janeiro, se estende ao Nordeste até o Maranhão, passa por Manaus e por Belém e por Brasília e pela Belém-Brasília, passa pelo Acre e pelo Goiás e pelo Espírito Santo e por Campos e pelo Pré-Sal, passa por Minas e inclui São Paulo, atravessa Curitiba, vai até Porto Alegre e se muda para Florianópolis e culmina pela nossa capital, a capital do Estado de Guaraciaba, tão parecido com o país vizinho, o Brasil? Por que não um protocolo onde nossos representantes oficiais e seus partidos, os de situação e oposição, assumissem compromissos igualmente oficiais de planejamento das cidades, suas moradas e moradias, suas pontes, seus morros, suas drenagens, seus automóveis, seu transporte coletivo, suas fontes de renda, seu preparo para receber turistas e novos moradores e suas defesas contra aquilo tão longe, tão acima de nós, mas que tantas vezes se repete, como os ventos, as chuvas e os tornados? Se os representantes do Brasil assinam tantos pactos internacionais, porque nós, os do Estado de Guaraciaba, não fazemos nossos governantes e candidatos firmarem, sob pena da perda do mandato se não cumprirem suas metas, compromissos para conosco, que não existimos? (Não sabemos como é no Brasil, mas, em Guaraciaba, compreendidos o Estado e seus municípios, nós, os inexistentes, é que pagamos os salários dos políticos - às vezes com nossos impostos, outras, com nossa credulidade.)
Mas, que ninguém leve nada disso a sério: afinal, somos aqueles que não existem; somos apenas e tão somente o povo do Estado de Guaraciaba.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

É a cara do Aldir!





Mas é a cara do Aldir, na maior perfeição!
Preciso achar, pois ainda não tenho!

Acabando comigo...



Estávamos ali, no Desterro Café, batendo papo, na sexta à tarde: Tadeu, Zé Mariano e eu.

E eu contava pro Zé, que também é formado em Letras-Português, o que estava fazendo no livro Bulha d'arroio, de meu avô, um trabalho bem metódico:

1. redigitar todos os contos, a partir da edição da FCC, de 1992.
2. cotejar este texto com a primeira edição, de 1939, época sem muita uniformização ortográfica.
3. a partir daí, estabelecer um texto-base, sem falsear jamais o que o Velho escreveu, mas atualizando a grafia, e mantendo a representação da fala do serrano do campo, exatamente como ele pretendeu fazê-lo.
4. Escrever a apresentação, explicando o que tinha feito.
5. Redigitar o texto do Nereu Corrêa, muito bom, que está na edição crítica da EdUFSC, de 1978, com um recorte: apenas o que ele diz do livro de contos, deixando pra depois o que é falado do romance. Minha formação em Teoria Literária não me deixa concordar com tudo que Nereu diz ali, mas ele está certíssimo na maior parte do exposto.
6. fazer uma síntese biográfica do autor, sem ser aquela horrível disposição em linha do tempo de trabalho acadêmico: acho aquilo um saco, acredito que ninguém lê...
7. por último, rever e refazer o glossário, conferindo o que estiver já dicionarizado no Houaiss, cuja equipe fez um bom trabalho a respeito dos regionalismos brasileiros - mas não completo, o que é compreensível. E esta é uma tarefa demais de maçante! Além disso,tanto quanto possível, dar uma redação mais técnica pro glossário...

Quando acabei, mudamos de assunto, Rud trouxe mais um café, e Zé comentou que gostariam, Rita e ele, que eu os visitasse no apartamento novo. Vieram de Coqueiros pra cá, e estão adorando a Trindade, bairro tão cheio de vida, só achando tudo mais caro, aqui.

E eu: ai, Zé, irei com muito prazer,mas primeiro deixa eu acabar com meu avô!

E ele, aproveitando a deixa: se não acabares com teu avô, ele é que vai acabar contigo...

Pois, Zé, "acabei com o vô", deixo descansar um pouco, antes de partir pra revisão completa e minuciosa do final, e bem feliz com o ter feito o trabalho. Foi muito bom, uma grande aprendizagem.

E posso garantir: quem vai acabar comigo é João Bosco, hehehehe... Porque estou de volta "aos braços de João", com o prazer de sempre,e dando um duro danado!

Crônica do Felipe Lenhart

As perdas

As chuvaradas voltaram, e com elas os tornados. Ora, nesta última década Santa Catarina tornou-se um pedaço de terra visitado por tornados e ciclones extratropicais. Não me lembro de algum dia ter aprendido nas aulas de geografia que esse tipo de fenômeno pudesse um dia castigar o lugar onde vivo. Havia a estiagem, que matava o gado, queimava as plantações, secava os rios, e enchentes de grandes proporções de vez em quando, que engoliam casas, carros, vidas. Mas nunca, sei lá, o furacão. De repente, do nada, aparece um Catarina vindo do oceano e arrasa tudo que encontra na sua rota com força inédita, que não conhecíamos senão por filmes de catástrofes, e inaugura uma triste rotina. E como perde tudo quem é afetado pelo flagelo! Em Guaraciaba, no Oeste, os prejuízos humanos e financeiros são enormes, e dá até medo sair contabilizando.

***

Aqui na cidade, em Florianópolis, confesso que não sei bem o que está acontecendo. Tenho visto as pessoas nas ruas e as caras estão, em geral, fechadas, quase carrancudas. O tempo ruim entristece a maioria, claro, porque pelo menos até o último fim de semana choveu sem parar durante alguns dias, e nem humor resiste a tanta umidade. Acrescento ainda no rol de preocupações o que ocorre nos bairros atingidos por deslizamentos, os desabrigados, tudo isso. Mas desconfio que não é só o clima, nem a iminência de tragédia, nem as reportagens alarmistas de telejornal. É também o trânsito cada vez pior, é o preço alto da cesta básica, do almoço nos restaurantes, é a sensação difusa de que não existe mais prefeito nem existe mais administrador na cidade.

***

É tudo isso – a sensação de bolso vazio, de vazio de poder, as tormentas da chuva – e mais também aquilo que cada um carrega por aí e que ninguém mais conhece. E não são esses “segredos” o que a gente mais dissimula, que mais nos forçam a um sorriso às vezes desnecessário? Fiquei pensando nisso ao voltar um dia para casa depois de muito caminhar e ver gente. Por um ou dois segundos, todo mundo que vi parecia bastante confiante, seguro, bem resolvido, como se não houvesse filosofia. Contei essa minha sensação para uma de minhas avós, uma senhora que coleciona perdas na vida mas consegue achar graça de quase tudo, e ela me respondeu com bom humor:

– Ihhhh, vai atrás. Tá todo mundo perdido! Cada um com seus medos e problemas...

(Variedades,DC, 14/9/2009)

Coisas boas da Trindade 2

O pessoal tá caprichando mais no paisagismo dos prédios...




Na Madre Benvenuta,em frente à academia da PM.



Grafiteiro novo e bom,na tranversal da Madre Benvenuta.



O muro está bem estragado neste pedaço, ele ilustrou de acordo!

domingo, 13 de setembro de 2009

Coisas boas da Trindade

Cristina andou reclamando que tantos prédios novos estavam a deixá-la assustada...
Hoje, depois de uma semanada de chuva contínua, saiu sol. Me animei e fiz ENORME caminhada.

E fui clicando as coisas bonitas e/ou boas que achei pelo caminho. Pra ela ver, lá do seu refúgio paraibano, que muita coisa permanece,com aquela carinha agradável de interior... (e se clicares sobre as fotos, elas ampliam, tá?)


Lá detrás daquele morro tem um pé de manacá...



Na rua do H.U., as árvores dão linda sombra.



O campus da UFSC continua bonito e acolhedor...



...por qualquer das entradas.


E tem sushi bem legalzinho, em frente à Racer.


E amanhã tem mais!

Novo livro do Weber



O release do jornal diz:

"João Hernesto Weber analisa as raízes da nossa formação literária e crítica, tendo como vetores a obra de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, além do mineiro-gaúcho Guilhermino Cesar. Na tradição crítica, percorre o caminho que se estende de Machado a Antônio Cândido, Roberto Schwarz e Alfredo Bosi."

Tradição Literária & Tradição Crítica, de João Hernesto Weber. Editora Movimento, 167 páginas, R$ 30.

O Weber teve a gentileza de mandar um de presente, tou lendo devagarinho, curtindo cada página - poucos escritores teóricos têm essa clareza e um estilo tão saboroso!