quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Crônica do Maicon Tenfen

Vidro de palmito

Certos rituais são determinantes na vida de um casal. O primeiro olhar, o primeiro beijo, a primeira noite juntos (credo, Maicon, parece que você está escrevendo para a Capricho!), mas nenhum ritual será mais importante e decisivo que o primeiro vidro de palmito.

Primeiro vidro de palmito? Que história é essa, rapaz? Calma, que me explico. Por não possuir data certa para acontecer - pode ser no primeiro, no terceiro ou no vigésimo jantar juntos - é o tipo de situação que costuma nos pegar de surpresa, sem o menor tempo para um preparo psicológico adequado.

Estão os dois à mesa. Dona de requintados dotes culinários, ela sabe de cor o número do disk pizza mais próximo, já recebeu a encomenda e já elogiou a tosquice com que ele dispôs os pratos e os talheres. De repente, ela se lembra do vidro de palmito que está na geladeira. “Você gosta?”, diz sorridente, e saltita para apanhar a iguaria.

Na volta, estende o vidro para ele, mas estende na maior inocência, como se nada fosse nada, como se uma das últimas provas de virilidade da civilização ocidental não estivesse prestes a começar. “Abre pra mim?”, diz ela, e põe as mãos na cintura, esperando o espetáculo.

Epa!, pensa ele, e se a tampa estiver emperrada? Antigamente era mais fácil, o sujeito só precisava derrubar um touro pelos chifres, só precisava pegar um rifle e afugentar os índios. Agora as coisas são instantâneas, diretas. Aspectos futuros do relacionamento serão decididos por uma reles tampa de conservas.

Ele se atraca com a maldita, sem resultado, solta o primeiro gemido, a primeira careta, encena a arquetípica luta do homem contra o objeto, sente os dedos doendo, latejando, mas não desiste, não pode, apenas sugere que aquela porcaria deve estar enferrujada. Ela tenta ajudar, solidária, mas somente com sugestões - use uma toalha, bata na bundinha do vidro -, sabe que não deve interferir, acaba de entender que o destino dos dois está em jogo.

Adeus tranquilidade do jantar. Ou ele desenrosca a tampa, ou não se chama Fulano de Tal. Agacha-se, segura o vidro entre as pernas, morde os dentes, xinga, reza baixinho pela auxílio dos santos, mas não adianta. Então ela faz uma carinha de que está tudo bem - “Hoje eu não tô a fim de palmito mesmo!” -, pega o vidro e, antes de devolvê-lo à geladeira, comete a tolice de tentar abri-lo e... consegue! “Que sorte a minha!”, diz ela, sem jeito. E ele, o que faz? Nada. Só cai na cadeira, derrotado, e resmunga:

“Promete que não conta para ninguém? Isso nunca me aconteceu antes...”

(Variedades,DC,17/9/2009)

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