segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Crônica do Felipe Lenhart

As perdas

As chuvaradas voltaram, e com elas os tornados. Ora, nesta última década Santa Catarina tornou-se um pedaço de terra visitado por tornados e ciclones extratropicais. Não me lembro de algum dia ter aprendido nas aulas de geografia que esse tipo de fenômeno pudesse um dia castigar o lugar onde vivo. Havia a estiagem, que matava o gado, queimava as plantações, secava os rios, e enchentes de grandes proporções de vez em quando, que engoliam casas, carros, vidas. Mas nunca, sei lá, o furacão. De repente, do nada, aparece um Catarina vindo do oceano e arrasa tudo que encontra na sua rota com força inédita, que não conhecíamos senão por filmes de catástrofes, e inaugura uma triste rotina. E como perde tudo quem é afetado pelo flagelo! Em Guaraciaba, no Oeste, os prejuízos humanos e financeiros são enormes, e dá até medo sair contabilizando.

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Aqui na cidade, em Florianópolis, confesso que não sei bem o que está acontecendo. Tenho visto as pessoas nas ruas e as caras estão, em geral, fechadas, quase carrancudas. O tempo ruim entristece a maioria, claro, porque pelo menos até o último fim de semana choveu sem parar durante alguns dias, e nem humor resiste a tanta umidade. Acrescento ainda no rol de preocupações o que ocorre nos bairros atingidos por deslizamentos, os desabrigados, tudo isso. Mas desconfio que não é só o clima, nem a iminência de tragédia, nem as reportagens alarmistas de telejornal. É também o trânsito cada vez pior, é o preço alto da cesta básica, do almoço nos restaurantes, é a sensação difusa de que não existe mais prefeito nem existe mais administrador na cidade.

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É tudo isso – a sensação de bolso vazio, de vazio de poder, as tormentas da chuva – e mais também aquilo que cada um carrega por aí e que ninguém mais conhece. E não são esses “segredos” o que a gente mais dissimula, que mais nos forçam a um sorriso às vezes desnecessário? Fiquei pensando nisso ao voltar um dia para casa depois de muito caminhar e ver gente. Por um ou dois segundos, todo mundo que vi parecia bastante confiante, seguro, bem resolvido, como se não houvesse filosofia. Contei essa minha sensação para uma de minhas avós, uma senhora que coleciona perdas na vida mas consegue achar graça de quase tudo, e ela me respondeu com bom humor:

– Ihhhh, vai atrás. Tá todo mundo perdido! Cada um com seus medos e problemas...

(Variedades,DC, 14/9/2009)

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