sábado, 5 de setembro de 2009

Lendo no metrô...








Leio, no New York Times, artigo descrevendo pesquisa que fizeram sobre o que as pessoas leem em seu trajeto habitual no metrô. O levantamento foi feito na sexta-feira da semana anterior.

A partir daí,organizaram as topten, essa mania americana.

A imensa maioria lê jornais ou revistas, com a New Yorker na primeira colocação.

Mas dos que lêem livros, há os dois primeiros do Stieg Larsson: o primeiro e o décimo colocados... E vários lendo Ana Karênina, do Tolstoi, interessante!

Educação para o mercado,de Fábio Brüggemann


(Norman Rockwell)



As políticas públicas para a educação no Brasil são as piores do mundo. Depois da sacanagem que foi o golpe militar, financiado pelo governo norte-americano, baseado numa política expansionista, neocolonial e, por isso, usurpadora, tudo piorou. No pacote ditatorial veio uma reforma educacional que detonou com as políticas públicas de educação, que, no Brasil dos anos de 1950 ainda eram decentes. A escola pública sempre foi melhor, porque a elite acreditava nela. Só ia para a escola pública o filhinho de papai que se dava mal nas provas, e recebia, como castigo, estudar na privada.

O golpe militar também implantou uma ideologia tacanha, tirando dos cursos básicos o ensino da filosofia e de outras cadeiras das humanas, privilegiando o tecnicismo com vistas exclusivamente ao mercado de trabalho. A lógica capitalista não precisa de gente que pensa, apenas que trabalhe.

Sendo assim, a reforma do ensino implantou no currículo a educação religiosa (que, no caso, se baseava no ensino dos fundamentos apenas da Igreja Católica, aliada ao golpe), o ensino de moral e cívica (sem nenhuma proposição dialética) e a iniciação para o trabalho. Adeus pensar, viva a lavagem cerebral, esta era a ideia. O pior é que, mesmo com o fim da ditadura, e vivendo hoje num país que se diz democrático, o ensino ainda é excludente, e o que é pior, reacionário, autoritário e formador apenas de mão de obra, não de pensadores e críticos.

O costarriqueno Vernor Muñoz Villalobos, relator especial da ONU pelo direito à educação, disse textualmente que a educação está em crise, e faz uma avaliação estarrecedora, ainda que óbvia, se prestássemos mais atenção nos detalhes da história. Ele diz: “A educação como sistema surgiu no mesmo momento em que apareceram o sistema penitenciário, as fábricas e os hospitais psiquiátricos. Isso quer dizer que as escolas foram pensadas como uma forma para disciplinar a mão de obra para o mercado”.

O pior não é constatar isso, pior mesmo é perceber que as empresas, os políticos, os professores, e, por que não, os próprios estudantes, estão com a cabeça tão bem feita desde o golpe militar, que acham que deve ser assim mesmo. Tanto que as escolas privadas já chamam seus alunos de clientes e todos acham normal. Educação não pode ser tratada como negócio, mas, infelizmente, cada vez mais é pensada desse modo.

(Variedades,DC, 5/9/2009)

Viva Bolaño!,de Carlos Schroeder



Já decidi o destino de minhas férias de final de ano. Vou passar uns dez dias no Chile, na companhia da esposa e de mais um casal de amigos. Quero aproveitar para visitar alguns lugares que foram marcantes na vida do escritor Roberto Bolaño, um dos marcos da literatura chilena.

As obras de Bolaño são um grito lancinante, um golpe no realismo torpe que vive escondido atrás de significados e palavras fáceis, nos simulacros do cotidiano.

A vida dele pode ser vislumbrada num trecho de um poema seu: “Não importa até onde te leva o vento/(Sim. Mas gostaria de ver Sêneca neste lugar)/A sabedoria consiste em manter os olhos abertos/durante a queda (Blocos sônicos de desespero?)”.

Nascido em Santiago no ano de 1953, Bolaño mudou com a família para o México em 1966, onde passava horas sobre livros nas bibliotecas públicas. Voltou ao Chile em 1973 e acabou preso pela ditadura de Pinochet. Solto, outra vez foi ao México.

Surge nessa época (1975) o movimento Infrarealista, que pretendia quebrar parâmetros literários e romper com as gerações anteriores. Em 1977, muda-se para a Espanha, mas apenas na metade da década de 90 consegue começar a publicar. Entretanto, em poucos anos, coloca nas ruas romances, novelas, coletâneas de contos e poemas. Já adulto, emigrou para a Espanha e trabalhou como vendedor e vigilante noturno antes de se dedicar integralmente à literatura.

O principal romance dele, lançado em 1999 em língua espanhola e vertido em 2006 para o português, “Os Detetives Selvagens”, ganhou o prêmio Rómulo Gallegos, o mais importante da língua espanhola. Foi saudado como a obra que finalmente tirou a literatura latino-americana do beco sem saída em que o boom do realismo mágico a metera, abrindo caminho para uma nova geração de escritores.

O romance apresenta Arturo Belano e Ulisses Lima, dois poetas numa busca detetivesca atrás dos rastros de uma misteriosa poeta vanguardista que desapareceu num deserto, no norte do México. Na primeira parte, escrita em forma de diário, acompanhamos as andanças dos dois e seu grupo de poetas.

A segunda parte é composta por dezenas de “depoimentos” que reconstituem a trajetória de Arturo Belano e Ulises Lima. A terceira retoma o diário, relata a busca pela poeta Cesárea Tinajero e explica, de certa forma, as duas décadas de esbórnia dos protagonistas.

No Brasil, ainda podemos encontrar “Noturno do Chile”, livro lançado em 2000, na Espanha, e em 2004, no Brasil, e que “é o que há de melhor e de mais precioso: um romance contemporâneo destinado um lugar permanente na literatura mundial” para Susan Sontag. Há também “A Pista de Gelo”, romance de estreia do autor, publicado em 1993, que aportou em 2007 por aqui. Também foram lançados aqui “Putas Assassinas” e “Amuleto”.

Bolaño morreu em 2003, em Barcelona, esperando um transplante de fígado e, segundo o escritor espanhol Enrique Vila-Matas, foi “um escritor resistente, alguém que rompe com a literatura latino-americana”. Bolaño foi um verdadeiro salvador da originalidade e da radicalidade. Espero encontrar essa combinação nas ruas chilenas.

(Anexo,AN,5/9/2009)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Mais prêmio pro Tezza!


(a foto é do DC)

LITERATURA
Uma cruel voz narrativa

O Filho Eterno recebe mais um prêmio nacional para romance

Depois de arrebanhar quase todos os prêmios de 2008, o romance O Filho Eterno, de Cristovão Tezza, provou ontem que ainda pode provocar barulho. Ontem, faturou também o Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura, concedido a cada dois anos, como parte da programação da Jornada Internacional de Literatura de Passo Fundo.

O anúncio foi feito pela manhã, em uma solenidade com a presença de representantes da Jornada, do patrocinador do Prêmio e da prefeitura de Passo Fundo. O prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura é um dos que mais pagam a um autor no Brasil: R$ 100 mil. De acordo com o que informou o professor Luiz Augusto Fischer – que, no anúncio do prêmio representava a presidente do júri, Regina Zilberman – O Filho Eterno foi escolhido o melhor entre 176 romances inscritos. O grupo de cinco jurados reduziu o número primeiro para 48 semifinalistas e, mais tarde, para 10 finalistas. No dia 5 de agosto, os jurados escolheram O Filho Eterno como vencedor por unanimidade – contra concorrentes como A Viagem do Elefante, de José Saramago; Acenos e Afagos, de João Gilberto Noll e O Livro das Impossibilidades, de Luiz Ruffato. Logo após o anúncio, a coordenadora da Jornada, Tânia Rosing, ligou para comunicar a premiação ao escritor catarinense, nascido em Lajes e residente em Curitiba, mas ele havia saído. Tezza já fora finalista deste prêmio em 2005, com O Fotógrafo. O prêmio será entregue na solenidade de abertura da Jornada, dia 26 de outubro.

É o sexto prêmio de expressão nacional recebido por O Filho Eterno. O romance é construído em episódios que retratam, em uma prosa seca, com uma voz narrativa cruel que paradoxalmente não tem medo de expor a covardia do protagonista, o lento aprendizado de um pai. Escritor jovem, em início de carreira, um homem enfrenta os sentimentos desesperados de rejeição e revolta quando seu Filho nasce com Síndrome de Down. Tezza propositalmente borra os limites entre memória e ficção – o ponto de partida é assumidamente autobiográfico, o nome do Filho e o dos romances que o protagonista publica são os mesmos da vida real.

Com este prêmio, o senhor ganha quase todos os nacionais possíveis para um romance. Esperava tal acolhida?

Cristovão Tezza – Esse livro ultrapassou as minhas expectativas. Para ser sincero, não achava que ia ganhar o da Jornada por ter ganho outros. Fiquei feliz, porque a Jornada é um empreendimento literário bem-sucedido, consegue envolver uma cidade inteira. Também é um prêmio significativo em termos financeiros, e fiquei contente por considerar os jurados um time de alto gabarito.

O Filho Eterno é seu 13º romance. Ele despertou o interesse para seus outros livros?

Tezza – Depois de O Filho Eterno, os livros anteriores passaram a vender mais – nada astronômico, mas vendem mais. Esse livro é um ponto de maturidade. Separo minha carreira em alguns momentos cruciais: o romance Trapo, de 1988, que me lançou nacionalmente; a ótima recepção em 1998 para Breve Espaço entre Cor e Sombra; 2004, quando lancei O Fotógrafo, finalista de vários prêmios e que, como linguagem, me preparou para O Filho Eterno.

O senhor pensa na recepção de seu próximo livro, uma vez que agora ele será “o novo livro do autor de O Filho Eterno”?

Tezza – Eu não pensava nisso antes. Esse livro que escrevo agora era um projeto antigo, anterior a O Filho Eterno. Mas é fato que as pessoas estão falando do livro, eu mesmo estive presente na imprensa, então sei que os olhos estarão voltados para o próximo romance.

CARLOS ANDRÉ MOREIRA,no Variedades do DC de hoje.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Arte na rua

Foi o pessoal do TrindArte, há alguns anos, que encheu os muros da Trindade com belos trabalhos - e sempre com a autorização dos proprietários. Se se observar, vai-se perceber que há poucas daquelas pichações feias e mal feitas, por aqui (mas existem, sim...)

No final do ano passado, quando nosso condomínio foi todo pintado, estavam asfaltando a rua de trás, ao lado do Titri. Por causa disso, aqueles muros não foram pintados também.

Isso não impediu os artistas de deixarem sua contribuição nele. Mas, infelizmente, tirou um pouco da beleza do que fizeram. Assim mesmo, dá pra ver como são talentosos.

Três amostras pra vocês!








quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Coisa feita



É esta canção que estou fazendo agora...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

uma crônica do Sérgio da Costa Ramos


(Sérgio compondo mesa com Sachet, na ACL, dia 27/8/09)



Para: Regina

De: Sérgio.

Bom proveito. Abraço.

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Crônica da crônica



Não há pergunta mais crônica no dia-a-dia de um cronista do que a pergunta “O que é uma crônica?”. Ora, a tentação é responder como Gertrude Stein, em sua famosa frase reticente: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”. É só colocar “crônica” no lugar de “rosa”.

Como, aliás, fez um dia Carlos Drummond de Andrade, dublê de poeta imortal e de cronista perecível. Fernando Sabino, mestre do gênero, defendia a descontraída senhora dos que insistiam em rotulá-la como uma espécie de literatura auxiliar.

Afinal, uma boa crônica tanto pode ter a brevidade da história curta, como a eternidade de um miniconto de Jorge Luís Borges. Depende da “idéia” e da “roupa” com que ela se apresenta.

No fundo, tudo começa com uma palavra, a primeira. A maior crônica que se conhece, começa assim: “No princípio, era o verbo”...

Claro, só o verbo não basta. Precisamos também do sujeito, do predicado, dos complementos. E de algum suor bíblico. Segundo o escritor e dicionarista inglês do século 18, Samuel Johnson, “o que é escrito sem esforço é lido sem prazer”.

Por isso, o escritor de crônica, poesia ou romance precisa sofrer um pouco. Mas precisa também se divertir um pouco. Ou escrever deixaria de ser um exercício de criação para se tornar um “cilício”. Aquele “castigo” que os fundamentalistas islâmicos até hoje se auto-infligem, chicoteando-se - ou o que é pior, chicoteando os leitores.

Menos dramático, o jornalista e escritor Sinclair Lewis, autor de pelo menos um grande romance (“Babbit”,1922), primeiro americano a ganhar um Nobel de Literatura em 1930, concedia:

- Escrever é simples. É a arte de sentar-se numa cadeira. E ali manter o rabo por meses.

Quer dizer: se o “assento” não produzir um bom “assunto”, pelo menos assegura ao escritor um belo broto de hemorróidas...

Crônica é o “descompromisso”é o coloquial literário, aquele recadinho que calha assim em 50 linhas. É um Lero-lero livre e “desinteresseiro”, embora se diga que o nosso primeiro cronista, Pero Vaz de Caminha, não tenha deixado de, logo na primeira “crônica”, pedir um favor ao Rei D. Manuel. Naquela carta em que o escrivão descreveu o encontro das culturas e até a “peladinha” das índias, achou um jeitinho de encaixar um pedido “nepotista”:

- Não poderia o senhor, Meu Rei, perdoar meu sobrinho Jorge Ozouro, que foi desterrado para a Guiné, por ter-se apropriado daquilo que próprio não lhe era?

O cronista morreu em Calicute, meses depois de ter enviado o apelo contido naquela que ficou historicamente conhecida como “a primeira carta”. Em homenagem “post-mortem”, D. Manuel, o Venturoso perdoou o sobrinho de Pero Vaz.

Até para isso a crônica já serviu. De habeas-corpus para o primeiro sobrinho beneficiado pelo Brasil recém-descoberto.

O primeiro caso de nepotismo explícito em “terras-papagalis”, muito antes dos netinhos de José Sarney.

Orgulho da UFSC!


(do clicrbs)

UFSC é apontada como terceira melhor universidade brasileira em ranking internacional
Lista de órgão do Ministério da Educação da Espanha coloca UFSC em 134º lugar no mundo

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é a 134ª melhor universidade do mundo — e a terceira melhor do Brasil — segundo o Ranking Webometrics. A Universidade de São Paulo (USP), no 38º lugar, conseguiu a posição mais alta na classificação entre as universidades brasileiras, segunda pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na 115ª colocação. A lista pode ser baixada aqui (arquivo em PDF).

A pesquisa, de um órgão do Ministério da Educação da Espanha, analisou 17 mil instituições acadêmicas no mundo, sendo que 6 mil foram classificadas. O ranking é feito semestralmente e tem como base a visibilidade e o desempenho global, que inclui indicadores de pesquisa e de qualidade de estudantes e docentes.

O Massachusetts Institute of Technology (MIT), a Harvard e a Universidade de Stanford, todos dos Estados Unidos, ocupam os três primeiros lugares, respectivamente.

Outras universidades do Brasil listadas no ranking são a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (152ª), Universidades Federal do Rio de Janeiro (196ª), Universidade de Brasília (204ª), Universidade Federal de Minas Gerais (241ª), Universidade Estadual Paulista (269ª), Universidade Federal do Paraná (352ª), Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (354ª), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (419ª) e Universidade Federal da Bahia (422ª).

As informações são do G1.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Pichação


No muro cinza escuro da casa do Miguel, alguém pichou, em amarelo brilhante:

Vida simples meu pau complica


Parei, fiquei olhando: acho que não é bem o meu problema!

domingo, 30 de agosto de 2009

Mudaria o domingo...


(Domingo no parque, gravura de Anthony Watkins)


... ou mudei eu? Plus ça change, plus c’est la même chose, dizem os franceses. Mas os domingos aparentemente estão iguais,mesmo com suas alterações através do tempo: parados, quietos, dias em que quase nada acontece. Na juventude isso me era insuportável, e vivia arrumando programas e almoços, enchia a casa de gente, era obrigatório ir ao cinema ou ao teatro. Aquela quietude toda me angustiava, parecia um dia perdido.

Hoje, no entanto, é este nada acontecer que torna o domingo um dia tão agradável pra mim. Tem alguns rituais : ligar pro Idro, em São Bonifácio, e trocar novidades e leituras. Esperar que a Cris me ligue de João Pessoa. Nos dois casos, com cuidado pela hora: continuo madrugadeira, mesmo nesse dia, mas os outros aproveitam pra dormir até mais tarde.

Passo na banca do Afonso, compro o Estadão, pra ler o Cultura deles, o melhor do Brasil, em termos de imprensa diária. Vou lendo os artigos devagarinho, às vezes até ao longo da semana, pra render bastante. Dou um pulinho no açougue, e continuo sendo a freguesa que vai ao açougue pra NÃO comprar carne, gozação do Toninho, mas verdadeira. Compro um pedaço do parmesão de casca preta, pra ralar; ou batatas, tomates, temperos... As coisas necessárias para o almoço de domingo, e raramente é carne, que freqüenta cada vez menos meus pratos.

E depois dos prazerosos telefonemas, sabedora das novidades de São Bonifácio e de João Pessoa, curto justamente o que odiava: todo o sossego do domingo. O telefone não toca, há um silêncio pouco habitual no condomínio, e apenas a mudança de estação altera meus horários de caminhada: bem cedinho no verão; logo após o almoço, no frio.

Pra hoje tenho o filme nacional Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, pra assistir. Estou ouvindo de novo o CD Caça à raposa, de João, pra conferir algumas referências. Ontem terminei o livro do Jairo Severiano, Uma história da música popular brasileira, que está muito gostoso de ler, mas sobre o Bosco traz apenas um parágrafo e referências dispersas. Preciso escolher qual leio agora, nessa área. E é meu dia de passar roupa, hehehe, sabe-se lá por que estranha perversão que me acomete...Mas o que custa, se a cabeça viaja por mil mundos?

Paralelas que se encontram


(a foto é do DC- Cultura)


Esse tipo de livro costuma ser chamado de Dispersos, por recolher e publicar textos de muitas espécies, publicados sob formatos variados, mas normalmente na imprensa. A este, o autor intitulou Vias paralelas. É um título adequado, mas ao mesmo tempo paradoxal: apesar de às vezes tão díspares e desencontradas, são produções de determinados momentos, saídas de uma mesma mente inquieta, conduzindo para a cada vez maior competência redacional de um autor. São, pois, paralelas, sim, mas paralelas confluentes, e talvez se encontrem justamente no infinito [da criação], o que não é negado pela matemática.

Neste volume, parte da Coleção ACL - Academia Catarinense de Letras, da qual Silveira de Souza faz parte, ocupando a cadeira no. 33, reúnem-se poemas, crônicas, traduções e comentários,comentários estes que receberam o nome de ‘Registro’. Dentre eles, as memórias de Silveira de Souza de quando trabalhou com meu avô em seu jornal: ‘Tito Carvalho e o Diário da Tarde.’ É claro que me falou muito especialmente ao coração, já que se refere a época em que eu não estava morando aqui, e preenche lacunas da lembrança.

João Paulo Silveira de Souza, mais conhecido como Silveirinha , é contista de talento. E contista parcimonioso, que demora para publicar, só lançando um livro quando sua ânsia de perfeição se der por satisfeita. Se isso, por um lado, nos priva de um convívio mais continuado com suas narrativas, por outro lado faz com que nos deparemos com contos irretocáveis. Seu livro mais conhecido é “Cavalo em chamas” (Edição da Ática e FCC), que fez parte da lista da UFSC, lista nem sempre tão bem contemplada.

Silveira de Souza é, além disso, um bom cronista, como o comprova no livro Janela de Varrer (Bernúncia, 2006), no qual crônicas do tipo que Lauro Junkes costuma chamar cronicontos dividem espaço com contos muito bons, como ‘ Eu e minha mãe’, com seu toque de fantástico.

Em “Vias Paralelas”, porém, o seu olhar atento e sensível passeia pelas artes plásticas – Vecchietti, Hassis, Tércio daGama -, pelas memórias do Grupo Sul, do qual fez parte; por resenhas, orelhas de livros e lembranças de outros escritores: Lindolf Bell, Júlio de Queiroz, Hugo Mund Júnior e vários outros.
Não lera eu ainda os poemas do Silveirinha, e encontrei aqui alguns encantadores, como este:

Entediada lembrança de Baudelaire

Face rotunda, gestos de oca liderança,
Falava o boneco de cera,
Borrão lilás
Na usada tv sobre a prateleira.

Certo, ninguém prestou a devida atenção.
O cheiro forte de carne e cerveja impregnava
o ar da churrascaria e as vozes
dispersas em grupos em cada mesa
zumbiam indistintas entre risadas ou tosses.

“Um rei num país chuvoso!”
disse alguém ali perto. Claro, sim, claro,
não deixava de ser uma verdade.
A chuva despencava lá fora
sobre o asfalto da BR entre espessa neblina.
Eu disse ao garção: “Desta vez
o Vasco leva o campeonato”,
ele riu duvidando, abriu outra cerveja.

“Um país chuvoso, que droga!”
Un pays pluvieux, riche, mais impuissant.
Podíamos pressentir a legião de homens famintos
morrendo como ratos diante do balcão.
(p. 45)

Agrada sobremaneira a parte final, de ‘Exercícios de tradução’, com trechos da Filosofia da composição do Edgar Alan Poe, os (Des)Aforismos de Kafka, e poemas de autores de língua inglesa e alemã. A tradução de Kafka foi feita também do alemão, como se recomenda hoje, e os poemas traduzidos trazem ao lado a obra original, para que nela se possa perceber o ritmo e a sonoridade – ou, caso se desconheça o idioma, se possa agradecer ao tradutor por colocar essa beleza a nosso alcance.

Aos 76 anos, Silveirinha faz convergir suas vias/vidas paralelas, a demonstrar que cada palavra escrita ao longo da existência vai concorrer para a formação do escritor, assim como os livros que lê , as pessoas que conhece, os mundos semelhantes ou diversos do seu que se propõe a visitar – mesmo que apenas através da palavra escrita.