segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Crônica do Felipe Lenhart

Ai de ti, Florianópolis

“Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum”, de Rubem Braga para Copacabana

Ai de ti, Florianópolis, porque os teus filhos mais queridos estão envelhecendo, e há de chegar o domingo em que a meia dúzia restante terá desaparecido levando junto o teu caráter, e o cetro da manezice que eles empunharam por toda a vida, em teu louvor, por amor a ti, terminará fincado sobre a figueira da praça e será ignorado pelos turistas, apedrejado pelos teus detratores, pichado pelos vagabundos e mijado pelos vira-latas de coleira eletrônica. Ninguém mais falará “tás tolo”, e toda a tua memória mofará trancafiada no último rancho de pescador. Porque estão te sufocando, eu sei.

Ai de ti porque o vento Sul virá te presentear de madrugada com um ramalhete de desgraças nunca vistas, e a manhã ficará escura, engolida pelo breu espesso com cheiro de molusco putrefato, e no meio da tarde as tuas lagoas e as tuas pontes sumirão dos cartões-postais da mesma forma com que um dia a chuva carregou um morro abaixo – e com ele as casas, os postes, os curiós e os miseráveis –, e choverá pedras de gelo sobre a tua carcaça e na sétima hora da noite o senhor do cataclismo descansará do trabalho bem feito, não sem antes encarregar o oceano em fúria de te vigiar de madrugada.

E aí, que será feito com a tua sala de troféus, o teu rol de prêmios, as tuas conquistas, o teu reconhecimento? Com que sotaque tu falarás, e com que praia tu vais te gabar para atrair as massas? Que será do teu Carnaval, das tuas procissões, do teu réveillon? Com que bambuzal, com que garapuvu tu cobrirás teus parques de lama e ladeará as tuas trilhas sem saída? Não te restarão somente os manguezais pestilentos, que farão proliferar a sua vida selvagem por entre as ruínas do teu comércio e das tuas residências com a força invencível do progresso? Perderás o teu nome de assassino.

Eis o teu fado, Florianópolis, a menos que um especulador talentoso vislumbre em meio aos teus despojos a chance para abrir um empreendimento de sucesso e transformar o teu destino. Algo assim como um retiro espiritual para sapos, caranguejos e jacarés? Ai de ti.

(Variedades, DC, 5/10/2009)

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