quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A crônica do Rubens da Cunha

DESABAFO DE UMA PLACA DE TRÂNSITO

Eu sou uma feliz placa de trânsito. Quer dizer, eu era uma feliz placa de trânsito. Quer dizer, continuo sendo placa, mas não tão feliz.

Eu sou a Proibido Estacionar, muito prazer. Essa é a única coisa que eu consigo falar para as pessoas: “Proibido estacionar”.

Antes, me compreendiam, viam-me, e sabiam que por ali perto de mim não poderia estacionar. Era óbvio e a obviedade obviamente fazia a minha felicidade. Desculpe-me, às vezes exagero nas repetições. É o hábito de uma vida inteira repetindo: “Não estacione”.

Mas, ultimamente, não sei bem o que tem acontecido. De repente, começaram: uma paradinha de leve. Depois, mais tempo, mas o motorista ainda ficava dentro do carro. Depois, só uma saidinha, mas com o vidro aberto, tipo para indicar que era uma urgência, ou coisa assim.

Agora não, agora eles até ligam o alarme, trancam tudo e vão embora. Ou seja, deixam-me muda. Eu já nem existo mais, estou ali como enfeite. Um ou outro recebe uma multa, reclama, sai xingando, achando que tem razão, mas de nada adianta. Parece que eles tão brotando do chão, logo em seguida vem outro, liga o alarme do carro e vai.

Eu grito, peço por favor, imploro, aviso do perigo de ser multado e nada, eu já não existo. Eu tenho uma prima que é bem mais nervosa do que eu, a Proibido Estacionar e Parar. Essa, sim, mandava bem mais que eu, com ela não tinha conversa. Não tinha, que fique bem claro. Esses dias, a coitadinha tava acabada. Perguntei por que e ela disse que eles pararam em fila dupla bem no lado dela.

Quer dizer, parar é pouco, eles estacionaram, um do ladinho do outro. E ela ali, gritando a todos pulmões que não poderia nem parar, quanto menos estacionar. Nada, ela também já não existia. O pior foi toda a fila que se formou, todo o caos que aconteceu e o quanto riram dela. Tipo, até gritaram que ela não mandava mais nada, que tinha de ser jogada fora. Maldade com a coitadinha, anos de serviços prestados, e agora isso, tanto ela quanto eu ignoradas por muita gente.

A minha reclamação é que não é mais um ou outro atrevidinho que tá fazendo isso, é muita gente. Eu sei que está cada vez mais difícil ter carro e andar na cidade, mas se deixarem de obedecer a mim e a as minhas companheiras de trabalho, a coisa toda degringola de vez.

Enfim, uma vez pararam aqui embaixo de mim dois homens e um deles contou a seguinte piada: que era preciso tomar cuidado com os chineses, pois onde tem um buraco eles abrem um mercado. Não estou falando mal dos chineses, eu acho que eles estão certos. Errados estão os motoristas que onde tem uma vaga, um buraco qualquer, mesmo que seja em lugar proibido, mesmo que vá atrapalhar centenas de pessoas, estacionam e ficam, mesmo que eu e todas as outras placas e sinais de trânsito gritemos o contrário. É a barbárie chegando.

Eu vim aqui só desabafar e avisar mais uma vez: algo tem de ser feito, pois, caso contrário, eu vou perder a utilidade. Já tem certas horas que fica todo mundo estacionado mesmo. Fica a dica.

(Anexo, AN, 14/10/2009)

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