quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Crônica de Maicon Tenfen



(Pablo Picasso: Cabeça de mulher lendo)

A leitura é uma droga

Ao longo dessa semana, visitei algumas escolas do Meio-Oeste catarinense para conversar com os alunos sobre leitura, informação e contemporaneidade. Confesso que fiquei impressionado quando perguntei quantos ali tinham o hábito de ler jornais, livros e revistas sem que o professor mandasse. A olho corrido, calculei que mais de 60% levantaram a mão. Ou mentiram ou não se fazem mais jovens como antigamente!

Fiquei jogando conversa fora com as turmas e acabei me esquecendo de falar o essencial: ler é uma droga! Quem tem um mínimo de bom senso evitará adquirir esse hábito decadente. Sim, é isso mesmo que você leu. Acho engraçado quando os professores e o governo atiçam os jovens com o mundo maravilhoso dos livros. “Ai, crianças, leiam, isso fará bem a vocês e ao país!”

Parecem traficantes aliciando menores no portão da escola. Confessei aos estudantes que a leitura não me fez o menor bem. Ao contrário. Fiquei mais inquieto, mais inconformado, mais crítico. Quem lê tende a deixar de lado o supérfluo e a enxergar o mundo com mais pessimismo. Isso causa sofrimento, quando não isolamento e até mesmo preconceito.

Quanto ao país, imagino que também não ganhou muito com campanhas do gênero “quem lê viaja!” Os argentinos têm fama de ser grandes leitores e mesmo assim elegeram Menem e o casal Kirchner. Leitura não é sinônimo de progresso ou inteligência. É apenas um vício lamentável. O livrólotra padece porque enxerga as traças com mais nitidez.

O pior é que, com o tempo, todo leitor acaba adquirindo um caráter investigativo e edipiano (nada a ver com a nomenclatura psicanalítica). Incitado pelo sábio Tirésias (os livros), o Édipo de Sófocles (o leitor) procura descobrir a identidade do infame que matou Laio (o que deseja, no fundo, é resgatar a ordem do universo). Ao fim do inquérito, Édipo fica mais confuso, e o máximo que consegue é descobrir que ele mesmo, o pior dos pecadores, assassinou o pai e desposou a mãe.

Como acontece na tragédia grega, o leitor é aquele que cria condições de enxergar sua verdadeira face, esfinge impiedosa que não hesitará em devorá-lo. Só os loucos aceitam o destino de ter os olhos furados. Os prudentes preferem ficar protegidos na sua ignorância ágrafa e inofensiva.

Aos 60% lá do Meio-Oeste que devem estar me lendo (ô gurizada imprudente!), faço a recomendação que me escapou noutro dia: renunciem à leitura enquanto é tempo. Essa viagem não tem volta.

(Variedades, DC, 10/9/2009)

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