quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Tristezinhas na chuva


(arte de Alex Vega)

Saí ali pelas onze, levando um vidro com canja pra Adri, que está grogue duma endoscopia, e planejando ir à loja de produtos naturais atrás da de sofás, na outra esquina.

Na entrada, dou de cara com chuva molha-bobo, molha-parvo (como dizem os portugas...) e, sei lá porque, ela me trouxe, num rápido instante, como costuma fazer, a lembrança do amigo Domingos, campineiro dos bão, meu colega no mestrado de Linguística.

Estávamos em 1983, ano da primeira grande enchente, e Domingos ligava, pra falar da depressão em que estava entrando, com a chuva interminável e a TV nos soterrando sob enxurradas de desgraças, durante dias e noites.

Sem chuva, costumávamos reunir o grupo todo (Domingos, Dito, Tonha, Dora, Dóris) e passar o final de semana na casa de Cachoeira, e era uma delícia.Todo mundo se deu bem com minha família e passeávamos na praia, tomávamos batida de coco, fofocávamos um bocado, e ainda achávamos tempo e disposição pra falar do projeto de cada um...

Com chuva, e toda aquela chuva, não tínhamos como sair da cidade. Eu tinha cargo administrativo na UFSC, tinha que ir pra lá diariamente, e me juntei ao grupo que, sob o comando leve da Sidnéia, fazia cobertas e colchões, e recolhia donativos para os flagelados.

Lá conheci alguém, um amor que durou dois anos, e um dia acabou, como todo amor acaba. Engraçado é que continuamos amigos, gostamos muito um do outro,e aquilo ficou como uma lembrança bonita, porque amar é sempre bonito, ainda mais quando não há mesquinharias ou baixarias ... Que não seja imortal, posto que é chama, já se sabe.

A UFSC é lembrança também agradável do passado, não é mais parte essencial de minha vida, embora nutra por ela grande amor.

E Domingos, brilhante, culto, sensível, era gay, e morreu de AIDS, numa época em que não havia salvação pra ela... Fez doutorado nos States, voltou apaixonado por um americano, que não lhe correspondia, e sofreu pra burro, como se não lhe bastasse a doença.

O grupo todo se dissolveu, Dito em Ouro Preto,Tonha no Paraná, Dóris (que na verdade era Dores) em Mato Grosso, Dora em São Luís, e hoje só eventualmente sabemos uns dos outros. Coisas da vida.

Mas fica essa lembrança boa, este afeto permanente, na certeza de que,se nos virmos, saíremos papagueando como antes, como se nos tivéssemos visto ontem, como se não tivesse existido separação alguma.

E meu amigo Domingos, tão bom lembrar de ti, mesmo com um certo travo de tristeza, e de nossas caminhadas pelo entardecer da praia, aqueles lindíssimos pores de sol, lembrando poemas, rindo, ou mesmo em silêncio, que o momento nos bastava...

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A Adri ainda tá meio sonada do exame, mas adorou a sopa. A loja de produtos naturais não tinha a alfazema que eu buscava, mas comprei 200g de granola completa e uma deliciosa quiche de berinjela. E o pessoal que atende é muito querido, mesmo...Duas mulheres simpáticas à beça, e a dona diz que daqui a uns 15 dias deverá ter alfazema pro meu chá. Só que hoje vou procurar naquela outra loja,em frente ao Posto que era do seu Neném, logo após a rótula da PM. Chá de alfazema é relaxante, e gosto de tomar bela xícara dele, à noite, depois de um dia de muito trabalho... e litros de café!

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