quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Crônica do Rubens da Cunha



VIAGEM AO SUL DA ILHA

Um pedaço desconhecido de estrada. O mar se espumando nas pedras. As curvas silenciosas, como grandes serpentes se espreguiçando ao sol. A montanha ao fundo, algumas vezes tão verde que até dói, outras, tão maltratada que até dói. A árvore centenária debruçando-se sobre o caminho. Sombra e pássaros compondo a solidão.

Barbas-de-velho, bromélias, ervas-de-passarinho alimentando-se ao mesmo tempo em que acariciam e protegem o espesso caule da árvore. Vacas e bois pastando morro acima. Cavalos e águas dando elegância a um descampado deselegante. Barcos de pesca prontos para mais um dia. Homens do mar, com seus sotaques, seus adereços, seus endereços dignos, prontos para novamente retirarem do mar os peixes, para manterem a tradição do lugar.

Mais um pedaço desconhecido de estrada. Uma igreja secular, complexa porque é simples demais, porque é erguida apenas com a fé despreocupada de vaidades. O chão batido pelos pés de muitos visitantes e moradores. O trapiche. As pedras enormes e quentes, eternas, limpas. A última praia, a solidão sem saída, o canto mais escondido, o castelo de meninos descalços, exploradores contumazes do lugar.

A água limpa e fria, os pés molhados, os tornozelos acariciados por uma onda fresca. Inverno ainda. O corpo todo mergulhado nesse lugar é algo para o futuro, breve, alguns meses apenas. As casas diferentes, baixas, bem pintadas, cores vivas. O progresso já estuprando a inocência. Casas bonitas, arquitetadas, ricas demais. Os condomínios fechados, fechando a paisagem aos sem dinheiro.

Mais construções. Na frente do que vai ser um lugar rico a faixa: “uma praia do passado na nossa frente”. O futuro desanimador da civilização. O bar na beira da praia, a cerveja, o pastel, o tempo parado, o sotaque ritmando o lugar, dizendo que ali nasce e vive a essência. O cachorro no meio da água. Peixe canino. A tatuagem nas costas do jovem, a liberdade impressa na pele.

As barracas sobre as pedras. O homem pescando, paciência, o peixe pulando dentro da bolsa, morte, azar. Surfistas esperando ondas, ondas brincando com surfistas, dezenas. Todos emborrachados, os únicos com coragem de entrar nas águas. Surfistas e crianças: incapazes de frio. O começo de engarrafamento. Carro demais, lugar de menos.

O windsurfista ao longe, compondo sonatas mar afora. Nenhum barco maior, nenhum navio. Talvez apenas no fundo dessas águas. Fantasmas antigos dando nome e lendas ao lugar. Mais um pedaço desconhecido de estrada.

Morro acima. A vista esplendorosa. O horizonte aberto para além dos olhos. As casas de alguns escolhidos, às portas do mar. Como conseguiram? Como se estabeleceram em lugar tão privilegiado, deixando todos os outros sem privilégio? Dúvidas. Ainda há muito a ser preservado, mas pouco trabalho de preservação. Longa faixa de areia.

Mar aberto, revolto. Redimensionando os homens, dando a eles a sua dimensão ínfima. O céu limpo de nuvens, a vida limpa de tristezas. O almoço numa sorveteria. Sorvetes de chocolate e ameixa para sustentar o sonho e a perfeição de uma manhã azul e perfeita.

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